Como voltar a se sentir inteira depois do trauma?

Algumas experiências nos atravessam de um jeito tão profundo que parece que o mundo parou. Por fora, tudo segue: as pessoas, os compromissos, as obrigações. Mas por dentro, a gente fica presa em uma cena, em uma dor, em uma pergunta que não tem resposta.

E por mais que o tempo passe, a alma continua voltando àquele mesmo ponto. Às vezes, nem lembramos claramente do que aconteceu. Só sentimos um peso, uma tristeza que não passa, uma estranheza diante de nós mesmas. Uma sensação de que algo se perdeu — e a gente junto.

Por que isso acontece? Porque o trauma não é apenas o que nos feriu. É o que nos impediu de continuar a viver a partir dali.

O trauma como ruptura da narrativa interior

Na psicologia, o trauma é definido como uma experiência avassaladora que sobrecarrega nossa capacidade de processamento emocional e cognitivo, criando uma ruptura na narrativa interna. Igor Caruso, psicanalista austríaco, dizia que a psique é como um palco giratório. Em seu funcionamento saudável, ela está sempre em movimento — processando, reorganizando, dando sentido à vida. Mas quando algo nos fere de forma muito intensa, e não temos estrutura psíquica ou apoio suficiente para compreender o que vivemos, a engrenagem trava. A mente para naquele ponto. A cena do trauma ocupa o palco todo. E a vida passa a girar em torno daquela ferida, mesmo que não saibamos nomeá-la.

Esse travamento interior, quando não é acolhido e elaborado, começa a aparecer no corpo.

É como se a dor — sem palavras — buscasse uma forma de sair. E o corpo se torna essa forma. A imagem pessoal, o modo de se vestir, os gestos, a relação com o espelho e com o alimento… tudo passa a carregar marcas que antes eram invisíveis. Não são escolhas conscientes. São respostas simbólicas à experiência vivida.

Os efeitos silenciosos do trauma na forma de se ver

Em muitos casos, vemos essas respostas se repetirem como padrões. Há mulheres que, depois de um trauma, começam a se apagar: escolhem roupas neutras, evitam o espelho, preferem tons que não chamem atenção. Não é uma escolha estética — é um movimento de proteção. É como se dissessem, com o corpo: “não me vejam, não me toquem, não me peçam nada.” Esta resposta, embora dolorosa, pode servir como um refúgio temporário quando o mundo parece excessivamente ameaçador. 

Outras fazem o oposto: se exageram — nos volumes, nas cores, na maquiagem, na presença. É a tentativa de mostrar força, controle, afirmação, mesmo quando internamente tudo está desorganizado. A hipervisibilidade vira uma armadura contra a dor de se sentir invisível — uma estratégia que, naquele momento, pode proporcionar uma sensação necessária de poder. 

Algumas começam a engordar de maneira abrupta ou contínua, não por desleixo, mas como uma defesa inconsciente. O corpo se amplia, se espessa, como se criasse uma camada de segurança entre ela e o mundo. Uma forma silenciosa de dizer: “não me machuquem de novo.” Este escudo físico, por mais que possa trazer outros desafios, representa uma tentativa válida da alma de se proteger do que a feriu.

Há também quem se infantilize — no modo de falar, de vestir, de se posicionar — como se buscasse regressar a um lugar onde a vulnerabilidade fosse permitida, onde não fosse preciso ser adulta, desejar, seduzir ou enfrentar. Esta regressão simbólica pode oferecer um alívio temporário, criando um espaço psíquico onde as exigências do mundo adulto, que se tornaram associadas à dor, possam ser suspensas enquanto a pessoa recupera suas forças internas.

E há aquelas que entram em um movimento mais duro, de autopunição silenciosa: dietas extremas, distúrbios alimentares, práticas exaustivas de exercício, distorção da autoimagem, ou até o completo abandono de si. Nesse caso, o corpo vira o campo onde a culpa, o desamparo e a raiva se encenam diariamente, de forma inconsciente e solitária. Mesmo esta expressão mais severa tem sua lógica interna — é uma tentativa de recuperar algum controle quando tudo parece ter sido tirado, ou de expressar uma dor que não encontrou palavras suficientes.

Cada uma dessas manifestações é uma tentativa de sobreviver ao que não pôde ser compreendido. São formas que o corpo encontra de expressar aquilo que a alma não conseguiu processar. E reconhecer isso, sem julgamento, é o primeiro passo para uma verdadeira jornada de restauração.

A anorexia como sintoma de uma alma ferida: o caso de Ellen

O filme To the Bone mostra isso com força e sensibilidade. A protagonista, Ellen, é uma jovem que sofre de anorexia. Mas o que está por trás da recusa à comida é muito mais profundo: ela está em ruínas. Aos treze anos, sua mãe rompe o vínculo emocional, o pai se torna ausente, a madrasta a acolhe sem afetividade. Ellen é empurrada de um lado para o outro como se fosse um problema. Sua identidade entra em colapso silencioso.

O trauma dela não é um só — é a soma de muitos pequenos abandonos, silêncios, fragmentações. E quando ela tenta expressar essa dor através da arte, desenhando, um de seus desenhos aparece perto do corpo de uma jovem que cometeu suicídio. A partir disso, Ellen é responsabilizada, culpada, mesmo sem nenhuma intenção ou responsabilidade real. E é como se algo dentro dela dissesse: basta.

Mas ela não para por vontade. Ela para por dentro. A alma paralisa. E o corpo começa a desaparecer. Não porque ela quer chamar atenção — mas porque ela já não consegue sustentar a própria presença. A recusa à comida não é vaidade, nem puramente estética. É símbolo. Comer seria aceitar estar viva. E ela já não sabe se quer. O corpo seco, magro, frágil é a linguagem que restou para comunicar aquilo que nenhuma palavra deu conta.

Mas a recusa à alimentação não está sozinha. Ellen também se exercita compulsivamente — faz abdominais, anda por horas, conta calorias, controla cada detalhe de sua rotina corporal. São rituais. Tentativas de manter um mínimo de ordem onde tudo virou caos. Esse comportamento é comum em quadros de anorexia: o corpo se torna o único território de domínio. O controle rígido da forma física é, na verdade, um esforço desesperado para não enlouquecer diante de uma vida que perdeu sentido.

Nesse sentido, a anorexia de Ellen é a tradução corporal de um colapso existencial. Ela não quer morrer. Mas também não sabe como viver. E o que vemos ali é o exemplo extremo de um dos efeitos mais silenciosos do trauma: o esvaziamento. Quando já não há forças para reagir, a única coisa que resta é tentar desaparecer.

A dor como ponto de partida: a responsabilidade que restaura

Mas o filme também mostra algo fundamental. A transformação começa quando Ellen se vê. Literalmente. Depois de uma sequência de fuga, ela desmaia sozinha no deserto e, naquele colapso, tem uma visão de si mesma: caída, magra, nua, prestes a morrer.

É uma cena silenciosa, mas decisiva. Pela primeira vez, não há ninguém por perto. Não há espelho, nem provocação, nem justificativa. Só ela, diante do próprio fim.

E o que vê não é só um corpo frágil. É o que restou dela mesma.
Não há mais controle, nem ironia, nem vigilância. Só o reflexo cru do que a sua dor se tornou.

O que desperta Ellen ali não é uma frase, nem um conselho. É o impacto de ver que a morte, até então usada inconscientemente como ameaça ou linguagem, é real — e está próxima. E é nesse choque que algo nela se move.

O deserto, nessa cena, não é só um cenário. É símbolo.
Na tradição espiritual, o deserto é o lugar onde as máscaras caem. Onde não há distrações, nem distraídos. Tudo é seco, essencial, exposto. É o lugar onde as grandes travessias acontecem — não porque as circunstâncias mudam, mas porque o coração se abre para o que não podia ser visto antes.

Ali, no deserto, Ellen não sente vergonha. Ela sente dor.
Mas é uma dor diferente: não paralisante, mas reveladora.
É o momento em que o trauma, pela primeira vez, deixa de ser peso morto e se torna um ponto de partida.

A pergunta muda. Deixa de ser: “por que fizeram isso comigo?”
E passa a ser: o que eu vou fazer com isso que me aconteceu?

É nesse instante que a liberdade começa a voltar.
Mesmo quando tudo parece já determinado, o ser humano carrega uma capacidade que ninguém pode roubar: a de escolher como responder à própria história.

Viktor Frankl, psiquiatra e sobrevivente de campos de concentração, dizia que “quem tem um porquê enfrenta qualquer como”. Essa frase, por mais simples que pareça, carrega uma verdade profunda: o sofrimento, por mais real que seja, não precisa ser o fim da linha. Quando encontra um sentido, ele se transforma. Ele pode se tornar travessia.

E é isso que vemos ali. Ellen não está curada. Mas está desperta.
Ela se vê. E ao se ver, escolhe continuar.
Onde antes havia só fuga e controle, agora há um desejo — ainda frágil, mas verdadeiro — de permanecer.

Restaurar-se é possível: a alma não se quebra, ela pode voltar a florescer

E é importante afirmar com clareza: se você viveu um trauma, você não está quebrada.

O que está comprometido é o espelho — a forma como você passou a se ver depois da dor. Na tradição antropológica, compreendemos que a alma humana, por ser imaterial, não se fragmenta. Ela pode estar ferida, obscurecida, intoxicada por afetos desordenados. Mas sua estrutura permanece intacta. E é exatamente essa verdade que permite a restauração.

No Instituto Imago Dei, fundamentamos nosso trabalho neste princípio vital: a capacidade inata de cada mulher de retornar à sua essência. Nosso propósito é oferecer ferramentas e acompanhamento para reconectar a mulher com sua identidade verdadeira, reestruturar a forma como ela se vê, e transformar o que parecia apenas dor em uma narrativa com significado. Porque o corpo pode gritar, mas é a alma quem precisa ser escutada.

Ellen, no final do filme, volta para casa. Mas não como a mesma pessoa. Ela aceita ser chamada de Eli — um nome que carrega algo anterior à dor: sua origem, sua humanidade. Ela não está curada, mas está voltando. Está retomando seu lugar no mundo.

E é isso que significa se ver inteira depois de um trauma:
não é apagar o que aconteceu.
É poder dizer, com clareza: isso me feriu, mas não me define.
É poder viver de novo — de verdade, e com liberdade.

Se você se identificou com esse texto e sente que também parou em algum ponto da sua história, talvez seja hora de dar o primeiro passo em sua própria jornada de restauração:
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